quarta-feira, 31 de março de 2010

O Vestibular da exclusão



A discriminação, infelizmente, é algo que ocorre em todas as sociedades. Seja por raça, classe social, sexo, ou simplesmente com o que é tido como "diferente". Pessoas com deficiência sentem isso na pele, mesmo que em algumas situações o preconceito esteja disfarçado...

Foi o que ocorreu comigo em 2001, quando fiz meu primeiro Vestibular para jornalismo, em uma Universidade Federal. Na inscrição, pedi fácil acesso, obviamente. Ao divulgarem os locais de provas, meu estranhamento inicial foi com o endereço onde eu deveria fazer Vestibular, um pouco longe de onde eu morava.

Mas tudo bem, pensei, talvez o tal prédio fosse o único preparado para receber candidatos com deficiência. No primeiro dia de provas, percebi que eu estava errada. O tal local de "fácil acesso" era um dos prédios mais antigos da Universidade, o elevador era totalmente inseguro e com um degrau enorme, além de não haver ao menos um ventilador na sala (em pleno janeiro, imaginem que delícia {#}).

Mas o pior não foi isso. Olhei em volta e vi que todos os deficientes, com os mais variados tipos de limitações, estavam destinados àquele prédio. Ou seja, foram separados dos candidatos "normais", como se tivéssemos alguma doença contagiosa. Foi mais ou menos como ocorreu com os negros americanos nos anos 60, que eram proibidos de frequentar os mesmos lugares que os brancos.

Comecei a me sentir muito mal com tudo aquilo. Antes de iniciar a prova, desabei em prantos, pedi a minha mãe pra ir embora, estava revoltada e me sentindo humilhada diante de todos aqueles absurdos. Minha mãe, como sempre, fez com que eu me acalmasse e prometeu que iria resolver o problema, falaria com alguém na reitoria da Universidade para que eu trocasse de prédio.

O impasse foi resolvido rapidamente. Nos outros dias de Vestibular, pude fazer as provas no colégio onde estudei a vida toda, em uma sala no térreo, junto a todos os candidatos. Inclusive, era onde estavam os vestibulandos de Jornalismo. O curso ao qual eu estava concorrendo, vejam que coincidência!

Entretanto, até hoje me sinto culpada, já que os outros candidatos com deficiência continuaram naquele local precário, segregados, sem o mínimo de condições para realizar um bom concurso. Até hoje não entendo a noção de "fácil acesso" que foi utilizada naquele Vestibular.

O resultado final da maratona de provas foi ruim para mim, em todos os sentidos. Não esperava passar na primeira tentativa, ainda mais na Federal, em um curso concorrido. Só esperava um pouco mais de respeito pelos deficientes, para os quais a vida já é tão difícil. Inclusão, como o nome já diz, é integrar as pessoas com necessidades especiais a uma sociedade, não separá-los do resto do mundo.
Imagem: Divulgação

quinta-feira, 25 de março de 2010

No meio do caminho tinha um buraco...

Esta semana, a novela Viver a Vida mostrou como os cadeirantes sofrem ao circular pelas calçadas de uma cidade. A personagem Luciana, vivida por Alinne Morais, sentiu na pele como um simples passeio pelas ruas é uma aventura para quem tem deficiência física. Espero que mostrar isso em horário nobre sirva de alerta, quem sabe um primeiro passo para consertar as barreiras que as áreas urbanas nos impõem?

Há exatos sete anos, uma calçada esburacada mudou minha vida. As rodas da frente da cadeira ficaram presas e eu caí, quebrando o braço e a perna direitos. Desde então, ainda não recuperei a mobilidade do braço, portanto deixei de fazer movimentos importantes, como sair da cadeira de rodas sozinha pra outros lugares. Um grande estrago por conta de uma simples imperfeição da calçada...

Assim como eu, muitos cadeirantes vivem um verdadeiro "rally" ao tentar vencer os obstáculos impostos pelas cidades. São calçadas mal feitas e sem rampas, ruas cheias de buracos e muitos outros problemas. Isso não afeta apenas a vida dos cadeirantes, pessoas idosas e crianças pequenas também sofrem. Outro dia o Diário Gaúcho publicou uma matéria sobre isso, leiam aqui.

Cadeirantes precisam sair pra rua, trabalhar, estudar, viver! Foi-se o tempo em que o deficiente, coitadinho, ficava em casa, sendo um peso para a família. Hoje em dia superamos muitas barreiras, mas os problemas arquitetônicos acabam impedindo ou restrigindo nosso direito de ir e vir.

segunda-feira, 22 de março de 2010

É só olhar para o lado...

Se há um sentimento que eu nunca tive é auto piedade. É claro que, algumas vezes, tive aqueles momentos de pensar "por que eu?" Mas foram raros, pois sempre fui orientada pela minha família a olhar em volta, perceber que há pessoas em situações muito piores.

Há alguns anos, após quebrar o braço e a perna ao cair da cadeira, passei por um momento de revolta diante daquilo tudo. Principalmente após o diagnóstico do ortopedista, de que meu braço não voltaria a ser como antes, que uma cirurgia seria arriscada demais e ainda poderia piorar a situação. Saí do consultório me sentindo a última das criaturas, pensando: "puxa, minha vida já era tão difícil, não precisava piorar".

Mas parece que alguém lá em cima mandou um sinal para que eu analisasse as coisas de outra forma.

Fui fazer meu CPF em uma agência bancária, onde quem me atendeu foi um rapaz que também era cadeirante. Mas aquele funcionário, além de não caminhar, também tinha dificuldades para falar e mexer o resto do corpo.

Naquela hora, meu estado de espírito mudou. Eu estava ali, apenas com uma pequena dificuldade de mexer o braço esquerdo, enquanto diante de mim estava uma pessoa com paralisia cerebral, lutando para abrir gavetas e se comunicar com os outros.
Cada um carrega sua cruz, mas logo ali ao lado, há pessoas carregando fardos muito mais pesados. Do que eu posso reclamar? Tenho movimentos, ainda que restritos, em todo o corpo. Meu cérebro funciona muito bem, obrigada. As limitações existem, é claro, mas são tão insignificantes diante de tudo o que eu posso fazer.

Existe um provérbio chinês que resume muito bem tudo isso: "Eu estava furioso por não ter sapatos; então encontrei um homem que não tinha pés e me dei por muito satisfeito."

quarta-feira, 17 de março de 2010

No escurinho do cinema



Foi-se o tempo em que pessoas com deficiência ficavam trancadas em casa, reclamando da vida. Ainda bem que, hoje em dia, muita gente resolveu "sair da casca", seguir em frente sem medo, ter vida escolar, acadêmica, profissional e, é claro, social.

Aí é que está o problema. Ir a danceterias, bares, cinemas ou teatros é quase sempre uma aventura pra quem usa cadeira de rodas. Os cinemas são um grande exemplo da falta de infraestrutura que acomete as grandes cidades.

Em Porto Alegre, a maioria das salas de cinema que costumo frequentar possui escadarias, degraus e não há lugares específicos para cadeirantes. Quando perguntei se havia espaços reservados, indicaram que eu ficasse na primeira fila.
Ah, que ótimo! E o torcicolo? Sem contar que não se enxerga absolutamente nada, é quase dentro da tela!

Mas, como sou teimosa, continuei frequentando os cinemas, mesmo tendo que subir vários degraus (com ajuda, é claro). Mas é um absurdo passar tanto trabalho, por conta de uma coisa tão simples como ver um filminho, né?

Eis que surge uma luz no fim do túnel. Recentemente, arrisquei ir pela primeira vez ao GNC Iguatemi, em funcionamento há pouco mais de um ano. Ao escolher os lugares, a atendente me indicou os reservados para cadeirantes. Como? Existe isso? Siiiim, e não para por aí! Os espaços são a uma distância "decente" da tela e há rampas por todos os lados.

É, demora mas às vezes encontramos ações que beneficiam pessoas com deficiência. Já está mais do que na hora de expandir esse tipo de "novidade" para todas as áreas de lazer.
Foto: Divulgação, GNC

terça-feira, 16 de março de 2010

E se...




É inerente ao ser humano ficar remoendo o passado, pensando em quantos caminhos diferentes poderiam ser trilhados caso algumas coisas ou decisões tivessem sido diferentes.

Penso muito nisso...

E se... eu não tivesse feito a cirurgia na perna, 15 anos atrás? Antes, eu andava de bicicleta, mexia bem (e muito) a perna esquerda, mas acabei perdendo a mobilidade e tendo que usar cadeira de rodas por conta de uma intervenção mal-sucedida.

E se...eu tivesse prestado mais atenção naquela calçada que me fez cair, provocando duas fraturas sérias há seis anos? Meu braço nunca se recuperou, não posso mais sair sozinha da cadeira como fazia antes.

Mas de que adianta viver olhando para o passado, já que não há máquina do tempo que nos faça voltar atrás e tomar decisões diferentes?
O jeito é viver a vida (parafraseando Manoel Carlos) visando o futuro, fazendo planos. pois, sobre o que ainda está por vir nós temos pleno controle. É muito mais eficaz usar os erros do passado como aprendizado, não como forma de martírio.

Deixemos o "Se" para a belíssima interpretação de Djavan:
Foto: Arquivo pessoal

segunda-feira, 15 de março de 2010

As longas escadas da vida



Obstáculos como degraus e escadas são rotina na vida dos cadeirantes, a verdade é que a maioria das cidades brasileiras não possui infraestrutura adequada para pessoas com deficiência.

Ano passado, ao fazer minha inscrição em um concurso público, manifestei minha condição de cadeirante e que precisava de fácil acesso. Ao chegar ao local de prova, qual não foi minha surpresa ao ver uma imensa escadaria (observem a foto acima).

Fiquei algum tempo pasma, pensando se o erro havia sido meu, que talvez tivesse assinalado a opção errada na hora da inscrição. Mas não, estava nos documentos, em letras garrafais: CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA - NECESSITA DE FÁCIL ACESSO.

Após o susto inicial, pensei em desistir da prova, não queria ser carregada pelas escadas, correndo um risco desnecessário. Mas, após eu ter me acalmado, minha mãe conseguiu me convencer a encarar o problema de frente, ou seja, subir a maldita escadaria.

Alguns fiscais ajudaram a subir, logo eu que havia jurado não mais enfrentar escadas, já que passei cinco anos da minha vida escolar sendo carregada pelas escadas do colégio...

Não bastassem os degraus da frente do prédio, a sala onde eu deveria ficar era no terceiro andar, ou seja, mais alguns lances de escada pela frente. Assim, fizeram a "gentileza" de deixar que eu ficasse no térreo, não sem antes explicar para as pessoas daquela sala porque eu estava ali. Fui humilhada, como se estivesse ocupando lugar em um espaço que não era meu. Precisava?

Fato é que, apesar de ter me preparado, não tinha condições psicológicas para fazer uma boa prova.

Reuni documentos e levei a uma advogada, para contestar o ocorrido. Há quase um ano espero alguma posição dela, que falou  em pesquisar jurisprudência. Mas situações como essa acontecem bastante e mover um processo contra aquela instituição, no mínimo, alertaria para tomarem maior cuidado com os “diferentes”.
Foto: Arquivo pessoal

sábado, 13 de março de 2010

Momento de autopromoção

Não bastasse eu colocar minhas ideias neste espaço, também resolvi aparecer um pouquinho em outro blog. O querido Jairo Marques, que mantém o Assim como Você, publicou ontem um texto que escrevi, onde conto um pouco da minha história. Vale o acesso, não só nesse post, mas em todo o blog.

Confiram aqui!

sexta-feira, 12 de março de 2010

Eu fico com a pureza das perguntas das crianças...



Voltando ao assunto "crianças"... Uma vez fui convidada por professoras do meu antigo colégio a conversar com os alunos sobre minha deficiência, já que o tema da Campanha da Fraternidade naquele ano era: “Fraternidade e Pessoas com Deficiência”.

Assim, respirei fundo e resolvi aceitar o desafio de saciar a curiosidade de centenas de alunos. A primeira turma com quem conversei foi da 1ª série do Ensino Fundamental, onde fui recebida com um misto de espanto e muita, mas muita curiosidade.

Assim que a avalanche de perguntas começou, ouvi algumas "pérolas" como:

- Como é que ela dorme?
Pensei em responder: "Fechando os olhos, ué!", mas lembrei que a maioria daqueles pequenos seres de 6, 7 anos, não devia ter contato com cadeirantes. A dúvida era se eu dormia na cadeira de rodas (bom, talvez no meio da aula...). Respondi que saio da cadeira e vou pra cama, como qualquer pessoa eu consigo deitar, gente!

- Como é que ela nasceu?
Antes que eu respondesse, uma das crianças se adiantou: "O pai e a mãe dela fizeram sexo, né!" É, nunca subestime a esperteza infantil...

Observem que eles usavam a terceira pessoa, perguntando à professora, e não a mim, que estava ali em frente. Isso, aliás, muitos adultos também fazem, acham que além de não poderem caminhar, cadeirantes não sabem falar.

A conversa fluiu muito bem, é claro que respondi a todas as questões com naturalidade, e tenho certeza de que aqueles meninos e meninas saíram dali com outra visão a respeito dos deficientes. Muitos vieram me abraçar, ganhei desenhos feitos especialmente pra mim e alguns amiguinhos, que com certeza crescerão sabendo respeitar as diferenças.
Imagem: Divulgação

quinta-feira, 11 de março de 2010

Curiosidade infantil

A ideia desse post veio do comentário que meu primo Rodrigo fez ontem no blog: "vejo ela como cadeirante desde pequeno..."  {#}

Comecei a pensar nas crianças que conviveram e convivem comigo, principalmente meus primos e minhas irmãs, que sempre lidaram com minha deficiência de forma muito natural. Algumas coisas nem era preciso ensinar, foi tudo intuitivo, com a sensibilidade que só as crianças têm pra compreender a vida.

O Rodrigo e minhas manas Naty e Lelê, que são bem mais novos que eu, aprenderam a empurrar minha cadeira quando mal sabiam caminhar, sempre cheios de cuidados e com muito carinho, encontrando maneiras especiais de brincar comigo.

Atualmente, quem está dando os primeiros passos (literalmente) na convivência com uma cadeirante é minha afilhadinha, Gabriela. A lindinha da dinda, com menos de dois anos, já sabe me empurrar, e aprendeu a subir sozinha na minha cadeira pra ganhar colo.

Por outro lado, as crianças que não me conhecem, olham cheias de curiosidade. Algumas chegam e fazem perguntas, ou simplesmente ficam "encarando". Eu até entendo, acho normal que nos primeiros anos de vida o "diferente" gere espanto. O que não dá pra entender é o preconceito dos adultos, estes já deveriam estar conscientes de que
 "ser diferente é normal".

quarta-feira, 10 de março de 2010

Cadeirante sim, e daí?


Certas palavras servem como definição ou como rótulo? Hoje em dia ser politicamente correto está na moda, tanto que algumas pessoas têm medo de palavras simples como “cadeirante” ou “deficiente”. Há quem prefira o termo “pessoa com necessidades especiais” , mas pra que enfeitar? Sou cadeirante, sim! Sou PCD (pessoa com deficiência), sim!

Ontem mesmo passei por uma situação que ilustra bem isso.  No próximo domingo farei um concurso público, para o qual pedi fácil acesso.  Resumindo, ligaram pra dizer que eu poderei ir de carro até bem perto do prédio onde farei a prova. O que achei engraçado foi o tom da moça:
- Michele, já que tu tens...ahn...problemas de locomoção...ahn...não consegue caminhar, né? Poderás estacionar bem perto do prédio, etc...

Gaguejou, enrolou e não disse a palavra: CADEIRANTE. Não dói, é simples. Por que o medo? Não é palavrão, é uma definição, como tantas outras: cadeirante, gaúcha, jornalista, mulher, brasileira... Um termo tão simples, mas que é difícil de ouvir por aí com naturalidade. Não é ofensa, é apenas uma palavra, que não me define como pessoa. Afinal, parafraseando Shakespeare“O que é um nome? Uma rosa, se não se chamasse rosa, teria o mesmo doce perfume”.
Imagem: Divulgação

Por que "Bem Capaz"?


Ficar parada em casa vendo a vida passar? Bem capaz!
Deixar de ir a algum lugar só porque não tem acesso? Bem capaz!
Abandonar meus sonhos por causa dos obstáculos no caminho? Bem capaz!
Estou nesse mundo pra provar a todos e a mim mesma que posso fazer o que quiser, mesmo sem poder caminhar. Por quê? Porque sou Bem capaz!

Eis-me aqui...


Pois bem, após muitos apelos dos meus "fãs", aqui estou inaugurando esse cantinho, pra mostrar ao mundo alguns recortes do meu cotidiano.

Há muito tempo eu ouço pessoas me perguntando: "Michele, por que tu não crias um blog?". Normal, já que estudei jornalismo pois sempre amei escrever, mas ultimamente ando meio relapsa com esse meu lado criativo. Mas agora tenho onde despejar tantas ideias, angústias e agruras do meu dia-a-dia. Quem sabe não serve como uma "terapia virtual"?


Este é o segundo blog "Bem Capaz". O primeiro foi uma ideia conjunta com duas amigas, mas acabamos não levando adiante por incompatibilidade de agendas. Espero manter esse novo filhote com disciplina, sem mais um abandono. {#}